Especificando melhor: uma parcela classificada na letra C, na vindima de 2017, pôde produzir, por hectare, 1.953 litros de mosto generoso.
Anualmente o IVDP, com base no registo das parcelas que dispõe (Cadastro, que se diz roubado à Casa do Douro) e no volume total de mosto a beneficiar, aprovado em sede do Conselho Interprofissional, emite um documento, agora digitalmente, e envia-o ao detentor de cada parcela, dando-lhe conhecimento da quantidade de litros que o autoriza a transformar em Vinho do Porto; este documento é tradicionalmente apelidado de “cartão de benefício”.
No caso de o detentor da parcela não produzir o vinho generoso, como é o caso da grande maioria da Lavoura, vai entregar (vender) aquele título à entidade que o irá produzir. Estas entidades, que, obrigatoriamente, estão assim inscritas no IVDP, são as casas exportadoras, as cooperativas e os denominados ajuntadores. Nesta fase de entrega dos títulos aparecem por vezes uns intermediários, os quais os compram para, posteriormente, os venderem àquelas entidades.
Como maioritariamente o Vinho do Porto é produzido (fermentação e adição de aguardente) em grandes centros de vinificação, torna-se impossível controlar se as uvas usadas para o seu fabrico correspondem efectivamente às provenientes de cada parcela autorizada a produzi-las. O controlo é feito em bruto: o centro de vinificação tem que deter “cartões” que permitam obter a produção declarada de Vinho do Porto.
Para além disso, os mesmos centros de vinificação também produzem vinhos tranquilos (de mesa), pelo que mais difícil se torna o controlo da coincidência da origem das uvas com os cartões de autorização para a produção do generoso (APMG).
Esta falta de rastreabilidade e pela crescente comercialização de DOC, sub-sector mais competitivo a nível qualitativo, vem determinando a ocorrência de fenómenos económicos que desvirtuam o objectivo daquele aquele método de pontuação:
· existem produtores que vendem o cartão a uma entidade e usam as uvas para produção de DOC;
· existem entidades que compram o cartão para beneficiar as uvas que produzem, por estas não possuírem autorização para produção de generoso;
· existem entidades que compram o cartão a uns produtores e as uvas a outros;
· existem produtores que vendem o cartão a uma entidade e as uvas a outra, para produção de DOC;
· existem ainda entidades que usam as uvas cobertas por benefício para o fabrico de DOC.
Serve todo este introito para melhor explicar o interesse económico e financeiro actual daquele cartão (benefício): uma vez que o título é passado a alguém que, de alguma forma, detém uma parcela de vinha na região, serve para garantir que uma parte das receitas da RDD fique obrigatoriamente na própria região, pois, como vimos, nada nos garante que as uvas tenham a mesma origem. Ou seja, é um rebuçado “dado” a alguns produtores de uvas, iludindo-os que são produtores de Porto, que cria um clima de clivagem de interesses entre a Lavoura duriense, ofuscando o seu verdadeiro e único interesse comum: vender as suas uvas a um preço compensador.
Ora bem, a Lavoura duriense não “produz” cartões de benefício, produz uvas; essas é que precisam ser protegidas para, garantindo a qualidade e genuinidade dos seus vinhos, assegurarem o rendimento sustentável da Lavoura duriense.
Assim, e também para este objectivo, é imprescindível “fechar” a região à importação da aguardente. Com efeito, estando toda a produção vínica vendida, o próprio mercado irá escolher as melhores uvas, quer para o fabrico do Porto quer do DOC, sendo as restantes destinadas ao fabrico do vinho a destilar para obtenção da aguardente necessária à produção do generoso. Esta solução permitirá às próprias entidades que produzem o Porto determinarem os parâmetros de qualidade que pretendem ter na aguardente, na medida em que elas próprias poderão escolher os vinhos a destilar.
NOTA FINAL:
Esta solução é tão evidentemente a melhor para o Douro quanto só é atacada pelo silêncio! Um exemplo de todos conhecido: ciente desta realidade, o então Secretário de Estado do Desenvolvimento Rural Daniel Campelo afirmou, na inauguração da Feira da Maçã, em Agosto de 2011, em Carrazeda de Ansiães, que “O vinho do Porto exige que seja produzido com aguardente de uvas produzidas no Douro” (vidé https://www.publico.pt/2011/08/26/economia/noticia/daniel-campelo-equaciona-proibir-novas-licencas-de-plantacao-de-vinha-no-douro-1509376). As “forças de bloqueio” (retrógradas) deste sector não demoraram a responder e, por pura coincidência (não foi?), na tomada de posse da Direcção seguinte da Associação das Empresas de Vinho do Porto (representante exclusiva do Comércio no Conselho Interprofissional do IVDP), o então Primeiro-Ministro deu conhecimento público que “ … é muito provável que possa haver também algumas pequenas alterações ou ajustamentos nas equipas ministeriais que os senhores ministros entendam como oportuno”. Resultado: o Senhor Secretário de Estado Daniel Campelo demitiu-se do Governo Passos Coelho / Assunção Cristas, governo este que, desmantelando a Casa do Douro em 2014, veio deixar a Lavoura órfã de representação naquele Conselho (dito) Interprofissional!
Arlindo Castro
14 de Abril de 2018